foi lindo

o desfile do 25 de abril. As pessoas a encherem por completo a avenida. E um ar de festa e de alegria que há muito não se sentia. Porque se sente! Sem a tensão e agressividade das manifestações sob o olhar da polícia de choque. Sem as correrias, sem os gritos, sem o medo. Foi lindo!
Havia os partidos, os sindicatos, as respetivas organizações satélites, tudo com as respetivas bandeirolas e cartazes fabricados em série e todos iguais, com as respetivas palavras de ordem recicladas de outros momentos, havia isso, claro. Mas não é desses que eu falo, não eram esses que davam a cor ao rio. Era antes um nunca acabar de gente à solta, com cartazes improvisados, feitos à mão, com frases inventadas na hora. Uma mulher de cabelo curto e óculos escuros, aparentemente sozinha, com uma cartaz “Vim enterrar o fascismo” escrito no que parecia o cartão de uma embalagem qualquer. É o tipo de coisas que me deixa a pensar. Onde teria ido ela buscar a ideia, a decisão e a determinação? Também um cartaz bem grande com o desenho simplificado de uma casa. Só isso. Como uma mensagem cifrada para quem tiver ouvidos para ouvir. E a certeza de que o hão de entender. E a multiplicação dos grupos e movimentos que alimentam uma nova realidade ainda não cristalizada em verdades oficiais. Como sinais de antecipação do novo mundo a nascer, a querer irromper. Com slogans imaginativos e inesperados, ainda sem ter de obedecer a nenhum cânon nem a manuais de diretivas. Agora que os jornais e as televisões estão cheios de imagens da gente que há cinquenta anos começou isto tudo, podemos ver melhor a diferença da gente que lhes dá continuidade, as novas preocupações, as novas ideias. Às tantas, no meio das Mães do Clima, onde me incluía, dei por mim ao lado de pequenos ranchos que desfilavam a cantar (a quase italiana Cooperativa Rizoma a cantar a Bella Ciao), grupos a dançar (um bloco da Columbina Clandestina a cantar e a dançar como se fosse carnaval), grupos a gritar palavras novas para os meus ouvidos. Até o Chip, o meu cão, se juntou ao coro da Libertação Animal – não é verdade, ia mas era todo encolhido e baralhado com a confusão em que eu (impensadamente!) o tinha metido. Havia os ativistas climáticos do Climáximo e da Greve Climática Estudantil; havia o grupo “Radicais do Tricô”, que tricotam “por 1,5 graus e justiça climática”, havia a Frente Grisalha pelo Clima; havia os grupos de gays e minorias sexuais; havia anti-racistas a lembrar-nos que “O 25 de Abril nasceu em África”, o que é verdade!; havia aqui e ali bandeiras palestinianas (muitas) e ucranianas (menos); havia um grupo curiosíssimo – Rede para o Decrescimento – que além de Democratizar e Descolonizar, acha imperioso Decrescer, procurar um modelo económico que não ignore os limites do planeta e o colapso climático iminente. E muitas pessoas isoladas ou em grupos de amigos, que vieram porque sim. E porque esta era a maneira de dizerem esse sim.
O mais original e mais criativo de todos? Um cartaz improvisado, empunhado por uma menina dos seus catorze anos: “Viva a Liberdade”. Dirão: mas isso é que é original? Quantas vezes vimos isso? Pois vimos. Mas não viu ela. Como quando em pequenos, passados anos a querer o que outros quiseram por nós, descobrimos pela primeira vez o poder de sermos nós a querer, a primeira vez que o menino pequenino ergue a voz e diz “Mas eu quero!”. Aquela menina dos seus catorze aninhos, que mais não teria, proclamava pela primeira vez à sua maneira , a importância do que tinha descoberto e descia a avenida com o cartaz feito por sua mão: Viva a Liberdade. Não é lindo? Eu acho lindo.

2 thoughts on “foi lindo

  1. Foi lindo!

    Un molt bon periodista i escriptor català, Gaziel (Agustí Calvet i Pascual, 1887- 1964) va definir Portugal com “una mena de Catalunya afortunada”.

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