a crise que não há

temos em breve eleições no condomínio. Andam já todos a brandir argumentos para ficarem com a gerência. Cada partido vai à sua arca de argumentos ou de cassetes e tenta convencer-nos do poder milagroso das receitas que ali tem para cura de todos os males de que padece o prédio comum: paredes a ruir, infiltrações de fora que põem em risco a segurança de todos, empreiteiros corruptos (sempre os contratados pela Administração anterior, naturalmente), condóminos que não pagam as quotas ou que as metem ao bolso (as deles e as dos outros)… Enfim, as maleitas do costume em casa onde o pão é pouco e muitas as razões.

Numa coisa já reparei, ainda assim: não oiço nenhum dos candidatos a falar na questão da chamada “crise climática”, das alterações climáticas. Poderia pensar-se que, sendo esse um problema que nos espreita a longo prazo, e que põe em causa todo o edifício, haveria que definir trabalhos, prazos, calendários para cada Administração daqui até ao limite de 2050 estabelecido internacionalmente pelo Acordo de Paris sobre alterações climáticas. Não se pode deixar tudo para o último ano. As alterações são já hoje bem visíveis.
Poderia pensar-se também que este é um problema central, decisivo. Um problema existencial! E que sem isso de pouco servem as obras parciais, que nos vão permitindo aguentar. Ora um remendo aqui, ora ali, ora nisto, ora naquilo, conforme a ênfase que cada partido dedica ao assunto. Com alguma promessa circunstancial aos que mais berram de momento, e que todos duvidam que possa ser cumprida, mas que pode calar ou acalmar os berros do momento.
Poderia pensar-se, é verdade, mas não se pensa.
Para começar porque é um assunto que não dá muitos votos: não são muitas (e não contam muito em termos eleitorais) as pessoas que consideram isso um problema prioritário. Não estão organizadas em lóbi, nem em sindicato, não têm chaves de cofre nenhum, não contam. E, por outro lado, porque os eleitores em geral não vêem isso como um problema que se reflita no fim-do-mês, que é o mais largo horizonte temporal para as preocupações da maior parte das pessoas. Têm uma vaga consciência de que é uma coisa “que vem aí” (viram nos noticiários as inundações lá fora, os incêndios lá fora, os ursos polares sem o gelo a que estavam habituados, etc. etc., tudo isso e uns senhores cientistas a dizer que). Mas essa consciência é vaga. Já a contabilidade dos euros do fim do mês, ou da balança do poder, ou do acesso aos vaivéns da economia, são bastante mais evidentes. E pesam no bolso. E a verdade é que é com o bolso que se pensa. O resto, os perigos do futuro não são mais que do isso mesmo: do futuro. Para já estamos como naquela história do homem que caiu do cimo do arranha-céus e que na sua queda a cada andar que passa vai dizendo: “Para já está tudo a correr bem!”
É como se a crise climática não existisse – essa é que é a verdade.


Então… e os ativistas climáticos? Não podiam, esses, trazer o clima para a liça? Descomprometidos como são dos meros interesses eleitoralistas, poderiam usar a inventiva, a provocação bem orientada, a capacidade de intervenção que já demonstraram noutras ocasiões e forçar os debatentes a debater. De uma maneira ou outra, afrontando preconceitos e reticências, foram as ações dos ativistas que trouxeram para a praça pública o pouco de debate que por cá se ouviu sobre o problema das alterações climáticas. É um problema global, que diz respeito a todo o planeta, sem atender a fronteiras de nenhum tipo, e por isso não surpreende que o ativismo local apareça associado a movimentações semelhantes noutras paragens. É verdade. Mas poderíamos esperar que fossem capazes de adaptar a sua ação ao calendário local (mesmo sem COPs, ou outros acontecimentos internacionais).

O que não podemos esperar é que os partidos renunciem à sua contabilidade merceeira, das questões imediatas, que dão votos, para desempenhar um papel que mais tarde ou mais cedo serão chamados a assumir. E que para eles será sempre “mais tarde”.
Os chamados “pequenos”, que à partida podem correr mais riscos no campo dos princípios, por contarem com um eleitorado mais consciente da necessidade de pegar em questões mais “marginais” (e, na minha opinião, quase sempre mais próximas do real valor da vida) poderiam ir mais além. Mas não é o que vejo nos debates e nas presenças públicas. Talvez nos programas o façam. Mas… não sei se haverá muita gente a dar-se ao trabalho (eu não dei…) de ir ler o programa, sem se ficar pela versão digestiva servida na praça pública. É aí, não haja dúvidas, que se formam as opiniões. E, quando os eleitores não são do género clubista, que apenas vota no “seu” clube, é precisamente aí, na praça pública, no debate público, que se decidem os votos.
Os partidos “grandes”, esses, que hão de fazer, coitados? Há que dar ao povo o que o povo quer. E ninguém quer problemas que não se possam resolver com promessas, essa é que é essa. Como as pias de água benta à entrada das igrejas, que santificam tudo o que tocam, os partidos limitam-se a usar a ladainha consagrada de “a importância do problema das alterações climáticas, que ninguém pode esquecer nem menosprezar”.
E siga o baile!

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