há aquela antiga alegoria da chegada iminente dos bárbaros – por eles espera o Imperador na magna porta da cidade, os senadores , os cônsules, os mais nobres, todos envergando os seus melhores trajos, todos esperando os anunciados bárbaros. Porque os problemas são muitos. E essa gente talvez fosse uma solução.
E assim estamos nós. Com a diferença de que aqui eles já chegaram. Por eles mudámos as nossas casas, os nossos bairros, as nossas leis. Por eles abandonámos a nossa língua, até, substituída por um patuá inglesado, simplificado e sem gramática. Os restaurantes mudaram os menus não fossem eles estranhar a comida. E são agora iguais aos de toda a parte, em toda a parte. O peixe fresco da lota, estranho como era, deu lugar à santíssima trindade da dourada-robalo-salmão que a aquicultura fornece quase sem espinhas, quase sem escamas, quase sem sabor. As lojas que já só serviam necessidades miúdas, locais, de gente que sempre cá morou, lojas desligadas dos novos tempos, alheias às modas – sapateiros, peixarias, padarias, lugares de verduras, tudo foi dando lugar a coisas infinitamente mais necessárias para os nossos visitantes: lojas de souvenirs, de brunches, de comida rápida, barata e igual à de todo o mundo – sushi, hambúrgueres, pizzas, kebabs, ramen.
Chegam em barcos e aviões que os despejam na cidade, com as horas contadas antes de partirem para a incursão seguinte, um novo ponto do programa. Daí a pouco já estarão longe. É, talvez, pouco o tempo que lhes damos para resolverem os todos os nossos problemas, talvez. Ainda não o dizemos, é ainda uma sensação vaga, mas fica-nos uma tristeza mansa, a que não sabemos ainda dar um nome, como de quem foi enganado (ou desenganado). Sentimos que perdemos no jogo, que nos desfazemos de qualquer coisa que não voltaremos a resgatar.
Vi hoje numa parede perto de casa este escrito (“Tourist: Spain is better”). Alguém encontrou uma maneira expedita de o dizer, de arrumar a questão. E uma maneira expedita de divulgar a solução. Na língua que eles entendem.
